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Foto do escritorAna Carol Carvalho

Entrevista - André Carvalhal


Esta é uma transcrição de um trecho da entrevista com o especialista em design para sustentabilidade e autor dos livros A Moda Imita a Vida, Moda com Propósito e Viva o Fim: André Carvalhal. Realizada no (IN)Consciente Coletivo - Festival de Cultura Criativa, no dia 1 de outubro de 2017. Neste bate papo o entrevistado fala sobre inspirações e faz vários apontamentos sobre consumo, futuro e sustentabilidade na moda.


Ana Carol Carvalho e André Carvalhal


1) Você cita vários exemplos de marcas, estudos de caso... Principalmente no livro​ ​Moda​ ​com​ ​Propósito.​ ​Quais​ ​as​ ​marcas​ ​que​ ​tem​ ​te​ ​inspirado​ ​atualmente?

É sempre complicado falar sobre isso porque, enfim, tem muitas marcas. Hoje na Ahlma, além da nossa coleção a gente vende multimarcas, e outras marcas que a gente desenvolve em colaboração. Então, a gente tem ali já, hoje, mais de cinquenta marcas. Então de alguma forma são essas cinquenta marcas as minhas cinquenta mais preferidas. Mas eu posso falar sobre algumas.


Por exemplo a Mud Jeans, que é uma marca que trabalha fazendo roupa jeans, é uma marca de jeans que não produz nenhum pedaço de jeans. Então ela só trabalha utilizando jeans que já existe, que já está disponível no mercado. Então elas compram em feiras, em brechós, peças jeans e transformam em novas peças. E eu acho genial o trabalho delas porque o jeans é um dos produtos que mais causa impacto negativo pro meio ambiente.


Desde a produção do algodão, que quem assistiu o filme do The True Cost viu, que a produção do algodão é responsável pelo maior índice de suicídio do mundo. Um fazendeiro ou agricultor se suicida a cada trinta minutos. Então, é um dado muito louco. Então desde a plantação do fio, até a lavagem, o beneficiamento onde pra fazer uma calça jeans se gasta mais água do que uma pessoa consome em três anos de vida. Pra fazer uma calça que não se sabe nem se vai ser utilizada, se vai ser vendida.


2) Alguns novos termos vêm sendo utilizados com muita frequência, como consumo consciente, moda autoral, slowfashion, ​qual é a sua percepção sobre essas​ ​novas​ manifestações​ ​de​ ​consumo?​ ​O​ ​que​ ​você​ ​tem​ ​observado?

Acho acho muito legal falar sobre isso e faltou você usar uma palavra, que é sustentabilidade, que também tá na moda e na verdade, depois que eu saí da Farm e que eu ajudei a montar a Malha, que é esse grande espaço de moda colaborativa tem no Rio, eu comecei a ver o outro lado de todas essas coisas, eu comecei a entender que não existe sustentabilidade, que é impossível você ser 100% sustentável.


É até complicado para eu falar que estou montando uma marca de moda sustentável. Toda vez que eu falo isso, eu me dou conta de que eu preciso mudar isso porque não existe. Eu acho que muita gente não sabe o que que é sustentabilidade e quando você tem noção do que de fato significa sustentabilidade, você entende que é impossível ser 100% sustentável, da mesma forma que consumo consciente também é impossível existir porque o mercado não é consciente e se não existe oferta consciente, não existe consumidor consciente, não existe ainda a disponibilidade de matéria-prima para produção consciente, não existe um monte de coisa. ​


Então, como você falou, hoje essas palavras estão na moda e elas são muito importantes para gerar uma discussão e um questionamento no mercado, mas eu acho muito importante a gente não se acomodar nessas palavras e nesses conceitos, mas sim refletir sobre o que significa. Eu gosto muito de usar o “Moda com Propósito”, por isso no meu livro a palavra sustentabilidade aparece duas vezes só, porque muito mais do que sustentabilidade, eu acho que é importante você falar o propósito da sua marca.


Já que você não vai conseguir resolver tudo, pois é impossível fazer tudo: atuar de forma igual no econômico, social, cultural e ambiental, então é preciso entender o que a sua marca é capaz de curar, o que essa marca é capaz de fazer, por onde ela pode começar, assim como você na sua vida: por onde você pode começar a mudar os seus hábitos e o seu estilo de vida para que no final você tenha uma vida mais longa. Eu acho que é muito importante falar sobre essas coisas, mas eu acho também que é um pouco arriscado a gente ficar só no que está estabelecido como verdade absoluta desses conceitos.


3)​ ​E​ ​como​ ​tu​ ​imaginas​ ​a​ ​moda​ ​daqui​ ​há​ ​uns​ ​10​ ​anos?

Essa é uma pergunta legal e eu inclusive estou participando de um projeto muito interessante do Instituto C&A que é um laboratório para pensar o futuro da moda, pensar a moda daqui há 10 anos exatamente. Junto com outras pessoas do Ministério do Trabalho, associações de costureiras. Enfim, são 35 pessoas influentes em várias áreas do mercado e a gente se encontra a cada dois meses para uma série de workshops e de dinâmicas de trabalho para pensar nisso.


E a gente está agora em um momento de desenhar quatro possíveis cenários para 2030 e a partir desse cenário pensar em soluções. E aí quando você me pergunta o que vai ser da moda daqui há 10 anos, eu vejo que a moda vai ser entendida cada vez mais como um ato político. Acho que hoje algumas pessoas já têm essa consciência de o quanto o que a gente veste ou o que a gente faz ou a marca que a gente compra, a gente financia é o mercado que vai se desenvolver, é o que vai acontecer. E eu acho que daqui pra frente isso vai estar cada vez mais claro para as pessoas.


Nesses cenários que a gente está estudando, cada cenário desses é influenciado pelo que vai acontecer na própria política do Brasil, então dependendo de quem assumir nas próximas eleições a moda pode prosperar ou ela pode voltar 10 casas para trás. Então eu acho que o futuro da moda tem muito a ver com a política, por mais louco que possa parecer. Agora, em um sentido mais prático eu acho que as pessoas vão entender, cada vez mais, que moda não é só sobre roupas.


Eu acho que cada vez mais, como a gente viu aqui no (IN)C, a gente vai ter pessoas fazendo adesivo, arte, sabão, caneca, tapioca e música e conversa. Tudo isso é moda e eu acho que cada vez vai ficar mais claro isso para as pessoas. O consumo de roupa, o que é o material, vai diminuir cada vez mais e isso a gente já está percebendo hoje e isso é um caminho de fato sem volta. E eu acho que as marcas de moda tem que pensar, cada vez mais, o que mais elas podem fazer além de roupa.


4) No livro Moda com Propósito você cita o documentário ​Unravel​, que significa algo como “desenrolar” em português, e conta a história de mulheres que trabalham reciclando roupas na Índia. Esse documentário mostra a complexidade dos ciclos de moda e a quantidade de roupas que são descartadas gerando resíduos têxteis em níveis absurdos. Na sua opinião, qual seria uma alternativa​ ​possível​ ​para​ ​tantos​ ​resíduos​ ​e​ ​como​ ​alterar​ ​o​ ​ciclo​ ​de​ ​descarte?

Essa é uma pergunta muito boa e essa é uma coisa que raramente a gente para pra pensar, que é a questão do nosso lixo, a questão do resíduo. A gente desde pequeno encara o lixo como um buraco negro. A gente tira aquilo da nossa frente e aquilo vai pra um lugar que não faz parte da nossa vida e que a gente não tem noção. E que bom que um monte de gente hoje está falando sobre isso. Você tira aquilo da sua frente, mas aquilo vai pra algum lugar. E isso é o que acontece com as roupas também. Esse documentário é muito incrível e ele traz um dado, como por exemplo, que na Índia, anualmente, são descartadas 100 toneladas de roupas.


A gente às vezes doa uma roupa achando que a gente está fazendo uma coisa muito legal e muitas vezes, muitas dessas roupas que a gente doa ou que a gente joga fora, elas vão parar no lixo ou elas vão parar lá na Índia. Quando essas 100 toneladas de roupas vão para a Índia, elas desestruturam completamente a Índia, por quê? Primeiro porque as pessoas não precisam mais trabalhar ou ganhar dinheiro para comprar roupas porque elas tem roupa de graça. Roupas que elas não dão nem conta de usar. Segundo porque você desestrutura qualquer possibilidade têxtil na Índia porque ninguém precisa ter uma marca ou vender roupas em um cenário onde as pessoas estão atoladas em doações de roupas. Então você desestrutura uma cadeia. Sem contar todas as coisas óbvias que a gente sabe como a poluição do solo, a poluição dos rios, enfim, sobre todo o desequilíbrio ambiental.


Falando de solução, o que eu acho é que a gente precisa encontrar uma forma de reaproveitar e de reinserir todo esse resíduo no nosso ciclo. Principalmente porque não existe mais abundância, infelizmente, de recursos naturais pra gente fazer o que a gente sempre fazia. Então assim, vocês já devem ter ouvido falar do cheque especial ambiental que diz que a gente precisa de quase dois planetas para dar conta de todos os recursos naturais que a gente utiliza em um ano. Ou seja, água, peixe, madeira, tudo que a natureza fornece para a gente. A cada ano que passa a gente chega nesse limite mais cedo. Era em outubro, passou para setembro, agosto, neste mês foi junho e qualquer hora a gente vai começar o ano já precisando de dois ou três planetas. Só que não existem dois, três planetas.


O que acontece é que até 2030 pode acabar a quantidade de peixe, podem acabar os peixes do oceano, pode acabar o estoque de madeira daqui há 20 ou 30 anos porque a gente consome em uma quantidade muito maior do que o planeta é capaz de produzir e de se regenerar de forma natural. E aí quando a gente tem essa escassez de recursos no início da cadeia, a gente tem no final uma série de resíduos e de lixo com dados absurdos. Como por exemplo, de tudo que é produzido no mundo, só um terço é utilizado. Isso tem a ver com tudo que você possa imaginar: eletrodoméstico, comida, roupa... Tem os rankings individuais, mas de uma forma geral a gente produz e só utiliza um terço. Então isso está errado e isso é um problema de design. Isso é um problema de criação porque a gente nunca teve um pensamento de “cara, eu to criando essa roupa, mas assim, depois que ela sair da minha loja, o que vai acontecer com ela? Depois que a pessoa acabar de usar, pra onde ela vai?


5)​ ​André,​ ​uma​ ​dica​ ​ou​ ​um​ ​conselho​ ​para​ ​quem​ ​está​ ​começando​ ​a​ ​sua​ ​marca.

Eu acho que o eu maior conselho é também o meu maior exercício hoje: é a liberdade. Porque eu acho que a gente é muito formatado e pressionado para seguir padrões e coisas que já existem. E por mais que eu entenda que o processo criativo passa por isso, talvez o início seja isso, eu acho que esse momento que a gente está vivendo só vai ter um final feliz se de fato as pessoas se desprenderam das regras, formatos. Então a gente tem que treinar fazer o que nunca foi feito, mesmo que para isso a gente quebre a cara, perca dinheiro, se arrependa. Isso faz parte de empreender.



 

Assista a entrevista na íntegra no vídeo abaixo:



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